domingo, 15 de maio de 2022

The Scary of Sixty-First - 2021

Sinopse: A vida de duas amigas entra em uma espiral de paranoia e loucura quando elas descobrem que o apartamento que recém alugaram pertencia anteriormente ao notório pedófilo e traficante sexual bilionário Jeffrey Epstein.

Direção: Dasha Nekrasova

Elenco: Madeline Quinn
Betsey Brown
Stephen Gurewitz
Dasha Nekrasova
Mark H. Rapaport








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Comentário: 

    De fato, somos barcos contra a corrente remando incessantemente em direção ao passado, como diria Fitzgerald. O mundo rodou, rodou, e de novo os velhos milicos brochas estão no poder aqui, a Guerra Fria se reconfigura lá. No cinema, essa busca pelo conforto do familiar se manifestou com mais clareza; em Hollywood, reboots, soft reboots e remakes de toda a propriedade intelectual disponível monopolizam as salas, e no arthouse não é diferente - é até pior. Todo dia qualquer mequetrefe faz o que na cabeça dele é o GIALLO MODERNO! A SUBVERSÃO DO EXPLOITATION! A DESCONSTRUÇÃO DO HORROR! Não há exemplo melhor do que o recente "X", do West, mais uma tranqueira da A24 lançada com toda pompa, se propondo a ser O GRANDE RESGATE do slasher setentista e que no fim não só não tem nada de novo ou criativo para oferecer, como também se perde na própria reverência - ironicamente, a um modo de se fazer cinema que jamais respeitou qualquer regra, que jamais criou ícones que não pudesse dessecrar. Pra variar, todo mundo sedento pela aura criativa de outrora caiu no golpe (as pessoas foram capazes de eleger o Hitler, não dá pra ter nenhuma confiança mesmo). O fã inteligente de horror (como eu) não tem mais onde se consolar, já que tudo virou pastiche e qualquer coisa minimamente melhor se transforma no Segundo Advento de Cristo, muitas vezes injustificadamente. 

    Aqui entra "The Scary of the Sixty-First". Fez algum burburinho por festivais e circuitos limitados, mas não chegou a dividir público e crítica porque ambos foram unânimes em odiar e em sequência esquecer. Depois de todo esse tempo, as pessoas já não são mais capazes de reconhecer um autêntico exploitation nem quando ele está nas suas caras. "Scary" é talvez o único exemplar genuíno do gênero em décadas, principalmente no seu aspecto titular: a exploração, o ato de se apropriar de um fato ou tópico do momento e extrapolá-lo de forma gritante, apelativa e chocante. Aqui, a história gira em torno do legado que Jeffrey Epstein deixou para trás. Para quem pisou no planeta Terra pela primeira vez hoje, Epstein foi o infame bilionário pedófilo e traficante sexual, que diariamente levava à bordo do seu Lolita Express amigos da política, das artes e dos negócios (Weinstein, Spacey, Singer, Clinton, Gates e o filho mais fracassado da rainha são alguns dos íntimos), para sua ilha particular que também calhava de ser um harém para todos os gostos e idades. Epstein foi preso em 2019 e antes que pudesse abrir a boca foi morto na cadeia numa queima de arquivo.

    Se a mídia é sempre discreta ao lidar com essa bomba-relógio, Nekrasova escancara tudo da forma mais grosseira e desrespeitosa possível, para nossa alegria. No seu debut (atrás e à frente das câmeras, como roteirista, produtora, diretora e coadjuvante), ela transforma turbilhão que cerca Epstein em um horror gótico hipster com toda a energia de um adolescente falando que virou ateu na ceia de natal. Duas jovens alugam um apartamento que pode ou não ter pertencido anteriormente à ele, e cada uma é afetada pela descoberta de formas distintas. Uma entra em uma espiral de paranoia, medo e obsessão; a outra parece ser "possuída" (ou libertada?) por um espectro sexual maligno que rende as cenas mais avacalhadas do longa.

    A categorização como exploitation não vem só do zeitgeist delirante da extrema-direita (enquanto se mantém perversamente ambígua no seu próprio posicionamento), mas também da produção de guerrilha. Com orçamento zero, Nekrasova e Quinn (que também assina o roteiro e protagoniza) oferecem soluções criativas e ousadas para contornar suas limitações. Você pode achar o que quiser disso, mas é preciso certa coragem e comprometimento para, por exemplo, se masturbar na maçaneta da casa real do Epstein numa gravação clandestina. "Scary of Sixty-First" e suas criadoras são uma luz de esperança no futuro - ou um último alento antes da morte.

 

 

(apesar de tudo, sabemos que o filme foi enterrado porque eles não querem que você saiba a verdade)

2 comentários:

  1. Olha, baixei e vi o filme e admito que achei uma bosta. Mas esse texto que tu escreveu é maravilhoso ahahaha.
    Stay gore!

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    1. Cara, eu entendo perfeitamente quem não gosta hehe, mas me comoveu num nível pessoal esse epírito transgressor juvenil imaturo e tal mas feito de uma maneira autêntica, sem querer dar uma gasparnoezada. Me lembrou aquele tipo de filme indie que se fazia na primeira década do século (desse século, não da época do trem saindo da tela na estação), onde havia acessibilidade técnica inédita aos realizadores, mas não tinha rede social pra encher a cabeça dos caras de minhoca.

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